15enna - 15 anos sem Ayrton Senna
Enviado: Sex Mai 01, 2009 5:04 pm
…e ano que vem é outro ano especial para Ayrton Senna, porque serão 50 anos de seu nascimento…
Bom, nesse nosso canteiro de obras (cuidado pra não esbarrar numa escada, num prego, num tapume, sei lá…), fazia-se necessário que eu escrevesse isso… Hoje, 1º de maio, completam-se quinze anos desde a morte de um dos maiores heróis brasileiros que já existiram…
Antes, deixem-me contar uma história para os que não me conhecem há tanto tempo assim… Eu sou Erick Von Draxeler, adoro Fórmula 1 desde sempre… “Oficialmente”, eu digo que vejo desde que tinha 6 anos de idade (isso é, há 20 anos…), mas eu me lembro, muito mal e porcamente, de alguns pedacinhos de corrida que meu pai via, e eu por tabela… Eu não apenas VIA as corridas, como as DESENHAVA!! OK, não eram os desenhos mais fantásticos do mundo, mas era o melhor que uma criança poderia fazer… Não satisfeito, eu tinha o hábito de esperar sair o jornal de domingo pra ver o Grid de Largada… O “grid” mostrava os 26 carros vistos de cima, indicando as posições… Eu recortava os carrinhos, pintava eles das cores de cada equipe e eu tinha a minha Fórmula 1 em casa!! Ficava arrastando os “carrinhos” por uma pista feita no “verso” da minha mesa de botão rabiscado com giz de cera e sempre com vitória do Senna e/ou dos outros brasileiros…
Abro um parêntese para uma confissão: eu me lembro de ter feito isso até 96 (com 13 anos e ainda brincando de “carrinho”, mas francamente…!!), quando eu fiz isso com o grid da primeira corrida de Fórmula Indy no Rio de Janeiro… Fiz uma “corrida” (com vitória do Emerson Fittipaldi), que ficou marcada por um “gravíssimo acidente que matou Eddie Lawson e Jeff Krosnoff”… As mortes, neste meu “mundo alternativo”, eram, obviamente, fictícias, mas no dia do acidente que matou Krosnoff de verdade, eu caguei tijolos… Eu, ainda um moleque, “me culpei” pela morte do cara e até hoje não me perdôo por isso… Ainda que na época eu não me perdoava com acento… Hoje, graças à Reforma Ortográfica, eu não me perdoo sem acento, mas isso não deixa de ser imperdoável assim mesmo…
Enfim, de volta à história… Sempre que ia passar alguma reportagem sobre Fórmula 1, meu pai me chamava e lá ia eu, correndo desembestado pela casa pra pegar a reportagem… Diga-se, não existia Internet como existe hoje e as reportagens mais detalhadas sobre isso eram muito escassas, ainda mais na pré-temporada… Era a rotina lá em casa até outubro de 2000, quando meu pai pereceu, aos 61 anos, vítima de um derrame cerebral… Aliás, diga-se, a minha última conversa com ele foi sobre o título do Gil de Ferran, na CART, que havia realizado a última corrida da temporada no dia 30 daquele mês… Ou seja: conversei sobre corrida com o velho até o final da vida dele… (soou meio macabro isso, não?) Pois enquanto meu pai esteve por aqui, essa era a rotina aqui em casa nos domingos em que tinha corrida: ele acordava cedo e ia até à sala, ligava a TV e esperava a corrida… (em corridas européias, que passam de manhã, ele parava antes no meu quarto pra me chamar…)
Deixem eu contar um pouco do meu pai: Raul Cunha, nascido em 1939 (ou seja, onze anos da Fórmula 1 existir de fato), viu, quando criança, corridas do que seria a Fórmula 1 na Quinta da Boa Vista e no Caldeirão do Diabo… O Caldeirão do Diabo, pra quem não sabe, era uma pista que ficava na Zona Sul do Rio de Janeiro, ela subia pela Avenida Niemeyer e voltava pelo que hoje conhecemos pela Estrada Lagoa-Barra… É claro que não preciso especificar detalhes sobre o fato dele gostar de corridas ou não… Em 1986, ele sofreu um derrame que paralisou o lado esquerdo do corpo, mas isso não o impedia de se locomover e ir até a sala pra ver as corridas… (não sem antes me chamar pra ver junto, obviamente…)
Ele casou com a minha mãe e teve dois filhos… O primeiro, Victor, nascido em 1970, pegou a partir da época de Fittipaldi, Stewart, Peterson, Cevert e outros mais que meu pai tanto mencionava essa época… Eu, nascido em 1983, peguei o Senna no auge dele na McLaren… Tanto eu quanto Victor crescemos doutrinados a gostar disso… Minha mãe, Maria Veronica, acabou gostando de ver corrida porque via os meninos empolgados e acabou se empolgando também… Coisas de mãe… Até hoje ela se empolga com o “tcham-tcham-tcham!!*” que a Globo toca quando um brasileiro vence…
* Isso é uma transcrição de como ela “canta” o Tema da Vitória…
Como eu ainda era um moleque quando comecei a “acompanhar” a Fórmula 1, eu demorei a entender coisas triviais, como por exemplo, por que o Senna correu com o número 27 na temporada de 1990 ou por que a McLaren era “patrocinada pela McLaren em algumas corrida e depois voltava a ser patrocinada pela Marlboro”… Vi Senna afundando Prost na largada do Grande Prêmio do Japão de 1990 e fiquei encucado… Afinal, como Senna era campeão se ele não havia vencido? Fiquei indignado ao ver Senna dando a vitória a Gerhard Berger no ano seguinte, achando que ele havia perdido o título naquela jogada… Coisas de criança… Afinal, a gente vê aquilo e fica maravilhado… Não entende, mas fica maravilhado do mesmo jeito… Afinal, era fantástico… O Galvão anunciando… “Ayrton!! Ayrton!! Ayrton!! Ayrton Senna do Brasil!!” e entrava o Tema da Vitória… Ele dando a volta da vitória com a bandeira do Brasil… E aí o resto do domingo ficava feliz…
E assim foi, até aquele final de semana de abril e maio de 1994…
Soube do acidente do Rubinho pelo Jornal Nacional (na época estudava de tarde…) e peguei as cenas seguintes ao acidente do “Berger”, que depois aparecia lá, conversando com alguns fiscais de pista, etc… Aí a minha mãe (que estava visitando a mãe dela) me liga dizendo que um piloto tinha morrido, um tal de Berger… Aí eu expliquei que era o Berger, que tinha batido, mas tava tudo bem, etc… Só me dei conta do meu ato falho ao assistir ao Jornal Hoje, quando eu assimilei o nome do Roland RatzenBERGER… Aí veio o jornal do dia seguinte: “Acidente mata Ratzenberger” e aí eu vejo a foto dele mostrando uma mancha de sangue acima da viseira (até hoje não entendo como isso foi possível…), o diagrama da batida e a mãe comentando: “se não tivesse esse muro aqui, ele teria escapado…”
O “muro” aparecia apenas no ponto onde ele bateu, pra explicar ao leitor como foi a batida… Era só um desenho… Aí eu explicando pra mãe que o muro percorre a pista toda, ele tá desenhado só ali pro leitor entender, etc, etc… E o resto daquele sábado foi estranho… Fiquei o dia todo pensando no cara que tinha morrido… Pois é, não há nada tão ruim que não possa piorar e o dia seguinte mostraria isso a um certo pirralho de 11 anos de uma forma bem cruel… Como eu disse lá atrás, meu pai ia me acordar pra ver a corrida e a minha mãe estava de cama… Não pesquei aqueles minutos antes da largada por ainda estar acordando, mas peguei a largada em si… Lembro do acidente da largada, a bandeira amarela… A relargada… E o que se seguiu depois…
Confesso que na hora, primeiro achei que era o Damon Hill (companheiro dele na época…), depois me liguei que era o Senna… Aí a mente sempre otimista de uma criança de 11 anos começa a pensar… Ele se mexeu, então o lance é torcer pra ele poder pegar o carro reserva… Aí apareceu o helicóptero levando ele, o Galvão falando com voz de enterro… Senna foi levado ao hospital, mas eu ainda achava que ele ia escapar dessa, voltar e vencer em Mônaco, que era a próxima corrida do campeonato… Meu pai mudou pro SBT pra assistir o Gugu… E ficamos o resto do dia aguardando pelo plantão do TJ Brasil (o “Jornal Nacional do SBT” da época) e então apareceu o plantão…
“A notícia da morte de Ayrton Senna caiu como uma bomba aqui em São Paulo, blablablablablabla…” Sim, exatamente isso… “blablablabla”… Depois de “morte de Ayrton Senna”, não assimilei mais nada que a repórter dizia… A única coisa que me batia na cabeça era a pergunta: “E agora? O que será da Fórmula 1 sem o Senna?” Meu pai chorava muito… Já era normal vê-lo chorando, o derrame de 86 o afetou de tal forma que ele chorava por qualquer bobagem… Mas Ayrton Senna estava morto e aquilo, definitivamente, não era qualquer bobagem… Passei o resto daquela semana desenhando sobre o acidente… Os carros destruídos de Senna e Ratzenberger (enfatizando o capacete do austríaco manchado de sangue…), as homenagens, etc, etc… Admito ter vilipendiado o caderno de esportes do jornal de segunda, transformando cada foto numa história em quadrinhos, com os personagens falando as coisas mais insanas que se possa imaginar… (em outras palavras: eu já tinha a vocação de criar bobagens que poderiam cair no a.k.a.一輝!!… se este existisse na época, é claro!!)
A televisão bombardeou os noticiários com imagens de Senna ao longo da semana… A chegada do corpo ao Brasil, o cortejo até o velório, do velório pro cemitério, o enterro… Aqueles momentos ficaria gravado na memória de quem o presenciou pro resto da vida… E eu ainda tinha a esperaçã de que ele se recuperaria do acidente a tempo do GP de Mônaco, onde ele ia começar a reagir pro campeonato (afinal, Schumacher abria 30 pontos de vantagem sobre ele…) Como eu já disse, eu era apenas uma criança… Imaginem vocês o que se passava na minha cabeça naquela época… Eu vivi a minha vida inteira vendo o Senna e suas façanhas (que eu ia começar a entender melhor muitos anos mais tarde, graças à Internet, o Google e o YouTube…!!) e agora ele estava morto… “O que seria da Fórmula 1 sem o Senna?”, perguntava eu desde o parágrafo anterior… Ayrton Senna morreu… A paixão por automobilismo e Fórmula 1 continuaria bem viva pra mim, meu pai e meu irmão…
Recentemente, há coisa de uns três ou quatro anos, eu estava vendo uma dessas festas de criança no prédio vizinho ao meu e o animador chamou as crianças, que deviam ter uns 5 anos de idade, em média, pra uma inocente corrida de velocípede… Corrida esta que foi animada pelo tão aclamado e conhecido Tema da Vitória… Naquele momento eu travei… Via as crianças, brincando… Apenas isso… Um amigo meu me viu lá e já ia começar a me zoar porque eu “ia chorar por causa da música do Senna”… Naquele momento eu finalmente me dei conta do quanto eu fui feliz na minha infância, quando Senna e meu pai estavam presentes na minha vida…
- Eu vejo estas crianças agora brincando ao som dessa música… Mas elas nunca serão capazes de entender completamente o que essa música significa para nós… Ainda que saibam da história e a entendam quando crescerem, à elas faltará a sensação de ter vivenciado tudo isso… Assim como eu tenho inveja do meu pai e do meu irmão, por terem visto grandes pilotos em ação, como Emerson Fittipaldi, Jackie Stewart e Gilles Villeneuve, nossos filhos vão ter inveja de nós por termos visto Ayrton Senna em ação… - Esta foi a minha resposta ao tal rapaz, que me acompanharia nesta “pausa” até uma das crianças ganhar a corrida e a música parar de tocar…
E não é pra menos… Que atire a primeira pedra quem ainda hoje não se arrepie quando revê grandes momentos do tricampeão nas pistas… Esse é “o cara”… Ayrton Senna da Silva… 161 corridas disputadas, 65 poles, 41 vitórias, 19 voltas mais rápidas… Amado, odiado, cultuado, respeitado… Mas nunca esquecido… Mesmo hoje, 15 anos após a sua morte…
Não…
Um herói nunca morre…
Um verdadeiro herói vive para sempre…
Mesmo que o corpo morra, é o seu legado que o mantém vivo nos corações de cada um que o admirava e/ou o admira até hoje… Ainda que apareçam novos heróis, que igualem ou superem seus feitos, estes novos heróis sempre vão se lembrar daqueles que lutaram bravamente até o fim, servindo de inspiração para as gerações seguintes…
Obrigado por tudo, Ayrton Senna do Brasil!!
Ah, sim… Meu pai deve estar se esbaldando lá em cima… Vejam vocês o Grid de Largada da Fórmula 1 Celestial: Ayrton Senna, Juan Manuel Fangio, Wolfgang von Trips, Jim Clark, Graham Hill, Jochen Rindt, François Cevert, Ronnie Peterson, Gilles Villeneuve… Qualquer dia o espírito dele aparece por aqui pra me visitar, rir da minha cara e falar que as corridas do Mundo Espiritual são bem melhores que essas “corridinhas de merda” do mundo dos vivos…
E o pior é que eu vou ser obrigado a concordar com ele…
------------------------------------------------------------
Texto originalmente publicado em uniesportes.com.br
Bom, nesse nosso canteiro de obras (cuidado pra não esbarrar numa escada, num prego, num tapume, sei lá…), fazia-se necessário que eu escrevesse isso… Hoje, 1º de maio, completam-se quinze anos desde a morte de um dos maiores heróis brasileiros que já existiram…
Antes, deixem-me contar uma história para os que não me conhecem há tanto tempo assim… Eu sou Erick Von Draxeler, adoro Fórmula 1 desde sempre… “Oficialmente”, eu digo que vejo desde que tinha 6 anos de idade (isso é, há 20 anos…), mas eu me lembro, muito mal e porcamente, de alguns pedacinhos de corrida que meu pai via, e eu por tabela… Eu não apenas VIA as corridas, como as DESENHAVA!! OK, não eram os desenhos mais fantásticos do mundo, mas era o melhor que uma criança poderia fazer… Não satisfeito, eu tinha o hábito de esperar sair o jornal de domingo pra ver o Grid de Largada… O “grid” mostrava os 26 carros vistos de cima, indicando as posições… Eu recortava os carrinhos, pintava eles das cores de cada equipe e eu tinha a minha Fórmula 1 em casa!! Ficava arrastando os “carrinhos” por uma pista feita no “verso” da minha mesa de botão rabiscado com giz de cera e sempre com vitória do Senna e/ou dos outros brasileiros…
Abro um parêntese para uma confissão: eu me lembro de ter feito isso até 96 (com 13 anos e ainda brincando de “carrinho”, mas francamente…!!), quando eu fiz isso com o grid da primeira corrida de Fórmula Indy no Rio de Janeiro… Fiz uma “corrida” (com vitória do Emerson Fittipaldi), que ficou marcada por um “gravíssimo acidente que matou Eddie Lawson e Jeff Krosnoff”… As mortes, neste meu “mundo alternativo”, eram, obviamente, fictícias, mas no dia do acidente que matou Krosnoff de verdade, eu caguei tijolos… Eu, ainda um moleque, “me culpei” pela morte do cara e até hoje não me perdôo por isso… Ainda que na época eu não me perdoava com acento… Hoje, graças à Reforma Ortográfica, eu não me perdoo sem acento, mas isso não deixa de ser imperdoável assim mesmo…
Enfim, de volta à história… Sempre que ia passar alguma reportagem sobre Fórmula 1, meu pai me chamava e lá ia eu, correndo desembestado pela casa pra pegar a reportagem… Diga-se, não existia Internet como existe hoje e as reportagens mais detalhadas sobre isso eram muito escassas, ainda mais na pré-temporada… Era a rotina lá em casa até outubro de 2000, quando meu pai pereceu, aos 61 anos, vítima de um derrame cerebral… Aliás, diga-se, a minha última conversa com ele foi sobre o título do Gil de Ferran, na CART, que havia realizado a última corrida da temporada no dia 30 daquele mês… Ou seja: conversei sobre corrida com o velho até o final da vida dele… (soou meio macabro isso, não?) Pois enquanto meu pai esteve por aqui, essa era a rotina aqui em casa nos domingos em que tinha corrida: ele acordava cedo e ia até à sala, ligava a TV e esperava a corrida… (em corridas européias, que passam de manhã, ele parava antes no meu quarto pra me chamar…)
Deixem eu contar um pouco do meu pai: Raul Cunha, nascido em 1939 (ou seja, onze anos da Fórmula 1 existir de fato), viu, quando criança, corridas do que seria a Fórmula 1 na Quinta da Boa Vista e no Caldeirão do Diabo… O Caldeirão do Diabo, pra quem não sabe, era uma pista que ficava na Zona Sul do Rio de Janeiro, ela subia pela Avenida Niemeyer e voltava pelo que hoje conhecemos pela Estrada Lagoa-Barra… É claro que não preciso especificar detalhes sobre o fato dele gostar de corridas ou não… Em 1986, ele sofreu um derrame que paralisou o lado esquerdo do corpo, mas isso não o impedia de se locomover e ir até a sala pra ver as corridas… (não sem antes me chamar pra ver junto, obviamente…)
Ele casou com a minha mãe e teve dois filhos… O primeiro, Victor, nascido em 1970, pegou a partir da época de Fittipaldi, Stewart, Peterson, Cevert e outros mais que meu pai tanto mencionava essa época… Eu, nascido em 1983, peguei o Senna no auge dele na McLaren… Tanto eu quanto Victor crescemos doutrinados a gostar disso… Minha mãe, Maria Veronica, acabou gostando de ver corrida porque via os meninos empolgados e acabou se empolgando também… Coisas de mãe… Até hoje ela se empolga com o “tcham-tcham-tcham!!*” que a Globo toca quando um brasileiro vence…
* Isso é uma transcrição de como ela “canta” o Tema da Vitória…
Como eu ainda era um moleque quando comecei a “acompanhar” a Fórmula 1, eu demorei a entender coisas triviais, como por exemplo, por que o Senna correu com o número 27 na temporada de 1990 ou por que a McLaren era “patrocinada pela McLaren em algumas corrida e depois voltava a ser patrocinada pela Marlboro”… Vi Senna afundando Prost na largada do Grande Prêmio do Japão de 1990 e fiquei encucado… Afinal, como Senna era campeão se ele não havia vencido? Fiquei indignado ao ver Senna dando a vitória a Gerhard Berger no ano seguinte, achando que ele havia perdido o título naquela jogada… Coisas de criança… Afinal, a gente vê aquilo e fica maravilhado… Não entende, mas fica maravilhado do mesmo jeito… Afinal, era fantástico… O Galvão anunciando… “Ayrton!! Ayrton!! Ayrton!! Ayrton Senna do Brasil!!” e entrava o Tema da Vitória… Ele dando a volta da vitória com a bandeira do Brasil… E aí o resto do domingo ficava feliz…
E assim foi, até aquele final de semana de abril e maio de 1994…
Soube do acidente do Rubinho pelo Jornal Nacional (na época estudava de tarde…) e peguei as cenas seguintes ao acidente do “Berger”, que depois aparecia lá, conversando com alguns fiscais de pista, etc… Aí a minha mãe (que estava visitando a mãe dela) me liga dizendo que um piloto tinha morrido, um tal de Berger… Aí eu expliquei que era o Berger, que tinha batido, mas tava tudo bem, etc… Só me dei conta do meu ato falho ao assistir ao Jornal Hoje, quando eu assimilei o nome do Roland RatzenBERGER… Aí veio o jornal do dia seguinte: “Acidente mata Ratzenberger” e aí eu vejo a foto dele mostrando uma mancha de sangue acima da viseira (até hoje não entendo como isso foi possível…), o diagrama da batida e a mãe comentando: “se não tivesse esse muro aqui, ele teria escapado…”
O “muro” aparecia apenas no ponto onde ele bateu, pra explicar ao leitor como foi a batida… Era só um desenho… Aí eu explicando pra mãe que o muro percorre a pista toda, ele tá desenhado só ali pro leitor entender, etc, etc… E o resto daquele sábado foi estranho… Fiquei o dia todo pensando no cara que tinha morrido… Pois é, não há nada tão ruim que não possa piorar e o dia seguinte mostraria isso a um certo pirralho de 11 anos de uma forma bem cruel… Como eu disse lá atrás, meu pai ia me acordar pra ver a corrida e a minha mãe estava de cama… Não pesquei aqueles minutos antes da largada por ainda estar acordando, mas peguei a largada em si… Lembro do acidente da largada, a bandeira amarela… A relargada… E o que se seguiu depois…
Confesso que na hora, primeiro achei que era o Damon Hill (companheiro dele na época…), depois me liguei que era o Senna… Aí a mente sempre otimista de uma criança de 11 anos começa a pensar… Ele se mexeu, então o lance é torcer pra ele poder pegar o carro reserva… Aí apareceu o helicóptero levando ele, o Galvão falando com voz de enterro… Senna foi levado ao hospital, mas eu ainda achava que ele ia escapar dessa, voltar e vencer em Mônaco, que era a próxima corrida do campeonato… Meu pai mudou pro SBT pra assistir o Gugu… E ficamos o resto do dia aguardando pelo plantão do TJ Brasil (o “Jornal Nacional do SBT” da época) e então apareceu o plantão…
“A notícia da morte de Ayrton Senna caiu como uma bomba aqui em São Paulo, blablablablablabla…” Sim, exatamente isso… “blablablabla”… Depois de “morte de Ayrton Senna”, não assimilei mais nada que a repórter dizia… A única coisa que me batia na cabeça era a pergunta: “E agora? O que será da Fórmula 1 sem o Senna?” Meu pai chorava muito… Já era normal vê-lo chorando, o derrame de 86 o afetou de tal forma que ele chorava por qualquer bobagem… Mas Ayrton Senna estava morto e aquilo, definitivamente, não era qualquer bobagem… Passei o resto daquela semana desenhando sobre o acidente… Os carros destruídos de Senna e Ratzenberger (enfatizando o capacete do austríaco manchado de sangue…), as homenagens, etc, etc… Admito ter vilipendiado o caderno de esportes do jornal de segunda, transformando cada foto numa história em quadrinhos, com os personagens falando as coisas mais insanas que se possa imaginar… (em outras palavras: eu já tinha a vocação de criar bobagens que poderiam cair no a.k.a.一輝!!… se este existisse na época, é claro!!)
A televisão bombardeou os noticiários com imagens de Senna ao longo da semana… A chegada do corpo ao Brasil, o cortejo até o velório, do velório pro cemitério, o enterro… Aqueles momentos ficaria gravado na memória de quem o presenciou pro resto da vida… E eu ainda tinha a esperaçã de que ele se recuperaria do acidente a tempo do GP de Mônaco, onde ele ia começar a reagir pro campeonato (afinal, Schumacher abria 30 pontos de vantagem sobre ele…) Como eu já disse, eu era apenas uma criança… Imaginem vocês o que se passava na minha cabeça naquela época… Eu vivi a minha vida inteira vendo o Senna e suas façanhas (que eu ia começar a entender melhor muitos anos mais tarde, graças à Internet, o Google e o YouTube…!!) e agora ele estava morto… “O que seria da Fórmula 1 sem o Senna?”, perguntava eu desde o parágrafo anterior… Ayrton Senna morreu… A paixão por automobilismo e Fórmula 1 continuaria bem viva pra mim, meu pai e meu irmão…
Recentemente, há coisa de uns três ou quatro anos, eu estava vendo uma dessas festas de criança no prédio vizinho ao meu e o animador chamou as crianças, que deviam ter uns 5 anos de idade, em média, pra uma inocente corrida de velocípede… Corrida esta que foi animada pelo tão aclamado e conhecido Tema da Vitória… Naquele momento eu travei… Via as crianças, brincando… Apenas isso… Um amigo meu me viu lá e já ia começar a me zoar porque eu “ia chorar por causa da música do Senna”… Naquele momento eu finalmente me dei conta do quanto eu fui feliz na minha infância, quando Senna e meu pai estavam presentes na minha vida…
- Eu vejo estas crianças agora brincando ao som dessa música… Mas elas nunca serão capazes de entender completamente o que essa música significa para nós… Ainda que saibam da história e a entendam quando crescerem, à elas faltará a sensação de ter vivenciado tudo isso… Assim como eu tenho inveja do meu pai e do meu irmão, por terem visto grandes pilotos em ação, como Emerson Fittipaldi, Jackie Stewart e Gilles Villeneuve, nossos filhos vão ter inveja de nós por termos visto Ayrton Senna em ação… - Esta foi a minha resposta ao tal rapaz, que me acompanharia nesta “pausa” até uma das crianças ganhar a corrida e a música parar de tocar…
E não é pra menos… Que atire a primeira pedra quem ainda hoje não se arrepie quando revê grandes momentos do tricampeão nas pistas… Esse é “o cara”… Ayrton Senna da Silva… 161 corridas disputadas, 65 poles, 41 vitórias, 19 voltas mais rápidas… Amado, odiado, cultuado, respeitado… Mas nunca esquecido… Mesmo hoje, 15 anos após a sua morte…
Não…
Um herói nunca morre…
Um verdadeiro herói vive para sempre…
Mesmo que o corpo morra, é o seu legado que o mantém vivo nos corações de cada um que o admirava e/ou o admira até hoje… Ainda que apareçam novos heróis, que igualem ou superem seus feitos, estes novos heróis sempre vão se lembrar daqueles que lutaram bravamente até o fim, servindo de inspiração para as gerações seguintes…
Obrigado por tudo, Ayrton Senna do Brasil!!
Ah, sim… Meu pai deve estar se esbaldando lá em cima… Vejam vocês o Grid de Largada da Fórmula 1 Celestial: Ayrton Senna, Juan Manuel Fangio, Wolfgang von Trips, Jim Clark, Graham Hill, Jochen Rindt, François Cevert, Ronnie Peterson, Gilles Villeneuve… Qualquer dia o espírito dele aparece por aqui pra me visitar, rir da minha cara e falar que as corridas do Mundo Espiritual são bem melhores que essas “corridinhas de merda” do mundo dos vivos…
E o pior é que eu vou ser obrigado a concordar com ele…
------------------------------------------------------------
Texto originalmente publicado em uniesportes.com.br